Economista
Em diversos setores da esquerda, inclusive nas organizações das quais faço parte (União da Juventude Comunista – UJC e Partido Comunista Brasileiro – PCB), discute-se como fazer uma Universidade Popular. Uma Universidade que esteja a serviço do povo, produzindo crítica e conhecimento para o desenvolvimento social, ao invés de priorizar as demandas do mercado.
Como fazê-la? Eis uma pergunta complexa, que certamente possui diversas possibilidades, longe de existir somente uma resposta. Traçarei aqui algumas sugestões baseadas nas experiências que tive em minha vida universitária.
Fazer com que a Universidade se volte para o povo é, sob a perspectiva de transformar as atuais, algo diferente de erguer um prédio, onde se lança mão de um lote vago e parte-se do “zero”, para edificar algo totalmente novo e de acordo com o interesse pretendido (1). Eis que o ponto de partida começa na atual conjuntura das Universidades brasileiras (sobretudo as públicas), que são arcaicas na essência e servem, na grande maioria dos casos, às demandas do mercado.
O tripé básico de qualquer Universidade reside na produção de ensino, pesquisa e extensão. No que se refere ao ensino, ele está, na grande maioria das Universidades públicas e na maioria das áreas do conhecimento, orientado por projetos pedagógicos conservadores, que se limitam a produzir mão de obra “acrítica” para o mercado. A título de exemplo, a maioria das escolas de medicina produzem médicos na lógica mercadológica, pautados pela saúde curativa, que prioriza a cura de doenças em sintonia com os interesses da indústria farmacêutica, ao invés de orientar-se para a prevenção.
No que se refere às pesquisas, a orientação mercadológica é ainda mais forte, pois os interesses e a produção de riqueza são ainda mais visíveis. Como um exemplo dentre tantos outros, está no seio da Universidade Federal de Campina Grande (PB) um prédio da Gillette. Um exemplo simbólico, que mostra que um engenheiro nosso está a serviço de descobrir uma lâmina de barbear mais afiada, ao invés de especializar-se em sanitarismo, uma vez que, segundo o IBGE (2), 26,7% das residências brasileiras não possuem sequer acesso à rede de esgoto.
O caso da extensão diverge um pouco de tal realidade, pois não há um interesse tão forte do capital em sua produção. A extensão tem sido um dos poucos espaços universitários onde se tem privilegiado uma aproximação da Universidade com o povo. Talvez seja por isso que ela é tão pouco valorizada, pois possui um menor volume de recursos.
Somado ao contexto deste tripé básico, ainda temos uma estrutura política de direção universitária conservadora, que se agrava pela inexistência de um contraponto feito pelo movimento universitário como um todo, que sofre crises desde o movimento estudantil até o movimento dos professores e técnicos administrativos.
De acordo com as experiências que vivi, tenho como um caminho interessante para a busca de uma Universidade Popular a necessidade primeira de rearticulação destes movimentos. Certamente o movimento estudantil possui maior possibilidade de reação, pois, no meu entender, passa por um problema de organização que pode ser superado (conforme já discuti em outro momento, no artigo “A mudança que vem de baixo“). Já o movimento dos professores e técnicos possuem raízes mais complexas, sobretudo porque, no meu modo de ver, a maioria dos professores se “aburguesaram” faz um tempo, e hoje ao invés de fazerem luta salarial e política ficam brigando por funções gratificadas (funções de direção) para “ganhar um a mais”. Talvez um caminho interessante seja unificar ações dos três segmentos, para o movimento universitário ganhar força e fazer contraponto ao conservadorismo reinante nas estruturas da Universidade.
Daí, com um movimento forte e crítico, é possível questionar os rumos da política universitária.
É possível, no caso do ensino e a título de exemplo, questionar os projetos pedagógicos dos cursos, a criação de novos cursos, no sentido de saber a quem estes servem. Na minha vida estudantil nós, estudantes de economia, participamos do processo de reforma curricular do curso e conseguimos inserir Economia Política na grade de ensino, para termos pelo menos uma possibilidade de estudo de marxismo no decorrer do curso. Ou mesmo, no âmbito de apoio do DCE e inseridos no Conselho Universitário, nós estudantes da UFSJ conseguimos questionar a expansão de um dos campi da Universidade (Federal de São João del Rei), que a princípio sinalizava para atender a interesses do agronegócio e, pelo menos no papel, conseguimos garantir cursos que dialoguem com as demandas de movimentos de luta pela terra.
No caso da pesquisa, não é diferente. Questionar a direção da produção científica e lutar para que sirvam a interesses populares. E por fim, potencializar a extensão e batalhar para que ela seja cada vez mais valorizada. Tal pilar é fundamental para trazer o povo pra dentro da Universidade por um lado e levar a Universidade para o povo, de outro. Esse processo de identificação recíproco é fundamental para que as classes populares adquiram a consciência de que a Universidade deve estar ao seu serviço, além de ser fundamental no processo de identificação da comunidade acadêmica com as carências de tais classes.
Enfim, de tudo exposto arremato dizendo o que me parece óbvio. Na atual conjuntura, onde não existe um governo comprometido (e certamente por pelo menos mais quatro anos não haverá) com uma transformação universitária a fundo (para incentivar uma mudança de “fora pra dentro”), o que nos é possível é disputar a Universidade “de dentro pra fora”. Ou seja, partindo da realidade universitária, travar disputas que no mínimo questionem “a serviço de quem ela deve estar”.
Referências:
(1) Sob essa perspectiva, existe uma iniciativa importante que deve ser observada, que é a Universidade Popular dos Movimentos Sociais.
(2) Dados da PNAD de 2007.
O texto "Universidade popular: como fazê-la?" foi originalmente publicado no site Rumos do Brasil: http://www.rumosdobrasil.org.br/2010/03/16/universidade-popular-como-faze-la/
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