quinta-feira, 24 de março de 2011

DILMA: LIBERTE BATTISTI JÁ!

NOTA POLÍTICA DO PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO

O Comitê Central do PCB, reunido no Rio de Janeiro, analisou a situação do ativista político e escritor italiano, Cesare Battisti, preso em Brasília desde 19 de março de 2007, perfazendo quatro anos de reclusão em nosso país, sem ter cometido nenhum crime em território nacional e acusado pelo Estado italiano de crimes que até agora, a não ser por testemunhos de delatores premiados, entre eles Pietro Mutti, que, para se livrarem de suas penas, imputaram Battisti com relatos que carecem absolutamente de provas materiais.

Battisti, que na década de 1970 militava no grupo de ultra-esquerda Proletari Armati per Il Comunismo (PAC), é acusado de haver cometido dois crimes no mesmo dia com apenas meia hora de diferença entre um e outro. O bizarro dessa situação é que um crime teria sido cometido na cidade de Udine e outro na cidade de Milão. Acontece que essas cidades distam 381 quilômetros uma da outra, o que demonstra a falsidade desses testemunhos. Julgado in absentia, chegou-se a falsificar sua assinatura para nomear advogados indicados pelo governo italiano (que aceitaram um julgamento forjado, sem a presença do réu), falsidade comprovada posteriormente por exame grafológico.

O que agrava consideravelmente o indiciamento e a condenação de Battisti, alem da própria instrução do processo, realizada sem provas concretas e baseada apenas nas delações dos militantes que colaboraram com as forças de segurança, os pentiti (arrependidos), é que essas delações foram arrancadas sob tortura, conforme denunciaram, à época, o relatório da Amnesty International e o depoimento da escritora Laura Grimaldi. Cabe dizer ainda que, naquele período na Itália, viviam-se os Anni di Piombo, Anos de Chumbo (entre 1970 e inícios da década de 1980), momento histórico de grandes confrontos de classe, sendo que, para responder às movimentações de amplos segmentos proletários e populares por profundas mudanças sócio-políticas, o Estado italiano impôs uma lei de exceção que permitia às forças de segurança investigar as organizações suspeitas de “terrorismo” e prender ativistas políticos e sociais sem ordem judicial, condição essa que dificulta até os dias de hoje a reabertura dos processos que envolveram as organizações e os militantes de esquerda daquele período.

Ressaltamos, também, que essas medidas autoritárias, que restringiam a ampla liberdade dos cidadãos italianos, eram corroboradas pelo extinto PCI (Partido Comunista Italiano), que, rumando para o radical reformismo e para a conciliação de classe, acenava com a possibilidade de uma aliança de governo com a então poderosa Democracia Cristã, claramente apoiada pelos EUA, propondo o tristemente célebre Compromesso Storico.

Desse modo, com os elementos arrolados acima, entendemos que é absolutamente impossível aceitar as alegações do Estado italiano sobre a culpabilidade de Battisti, diante da fragilidade das provas apresentadas e de sua condenação, claramente política. Além do mais, o governo neofascista de Silvio Berlusconi aproveita-se oportunisticamente da situação, tentando fazer a conexão de Battisti com os movimentos sociais e sindicais que, hoje, fazem dura oposição a seu governo sabidamente corrupto, onde o próprio Presidente do Conselho de Ministros, o Sr. Berlusconi, aparece envolvido em escândalos sexuais e de pedofilia. Sabemos o que espera Battisti se for repatriado para seu país de origem: prisão perpétua e, inicialmente, seis meses de privação da luz do sol, condição que por si mesma revela o medievalismo dessas medidas e o ódio revanchista da extrema direita que está no governo e no poder.

A presidente Dilma Roussef deve cumprir o que foi determinado pelo ex-presidente Lula, isto é, a imediata libertação de Cesare Battisti e a concessão de status de refugiado político a ele. Lavar as mãos, deixando uma decisão política dessa gravidade para o Supremo Tribunal Federal (majoritariamente conservador), é objetivamente condenar Battisti ao ergastolo (prisão perpétua), é compactuar com as acusações falsas e revanchistas dos que desejavam e ainda desejam conter os avanços das lutas populares rumo às conquistas que possibilitem a construção de uma sociedade justa e sem a exploração dos trabalhadores.

PCBPartido Comunista Brasileiro
Comitê Central – março de 2011

terça-feira, 22 de março de 2011

Indústria Cultural, Ideologia e Alienação

JOSÉ RENATO ANDRÉ RODRIGUES
Professor de Filosofia e membro do Comitê Central do PCB

Nestes tempos de carnaval no Brasil, devemos analisar o papel da indústria cultural no modo de produção capitalista, o papel que a indústria do entretenimento desempenha na divulgação da ideologia burguesa, na acomodação cooptação das manifestações artísticas – culturais que acabam se transformando em uma simples mercadoria vendável como qualquer outra mercadoria no sistema capitalista, como vem ocorrendo com o carnaval no Brasil nos últimos anos.

Nos períodos de carnaval devemos fazer uma profunda reflexão sobre o que se transformou o carnaval Brasileiro, antes esta grande manifestação cultural era patrimônio da população, hoje é apenas uma mercadoria. Para entendermos o porquê do carnaval uma grande festa popular ter se transformado tanto, é preciso concentrar nossa analise sobre o avanço tecnológico colocado a serviço da lógica capitalista, onde o consumo e a diversão são utilizados como formas de garantir o apaziguamento e a diluição dos problemas sociais.

Do clipe da música "Another brick in the wall" - Pink Floyd

Por vivermos no capitalismo tudo se torna mercadoria incluindo a arte e as manifestações artísticas de um povo, a indústria cultural se apropria da cultura popular, o que era espontâneo, o que refletia as particularidades, as tradições, os valores de um povo, de um povoado, de uma região ou de uma nação se torna o contrário, o interesse do capital através da indústria cultural, ou seja, cultura destinada às massas através do mercado gera o desestimulo, o empobrecimento do cenário cultural.

A arte por si só não promove mudanças na sociedade, ela pode contribuir para a conscientização das massas através dos artistas engajados politicamente, porém isto depende das condições objetivas e subjetivas onde ocorre a luta de classes. Isto explica por que em determinadas épocas temos uma maior produção cultural e um maior engajamento por partes dos artistas, e em outros momentos um maior empobrecimento intelectual e alienação dos artistas.

A arte e os bens culturais estão no capitalismo submetidos aos interesses do mercado, dessa forma não passam de negócios, como qualquer outro produto. O nosso carnaval e o nosso futebol são vitrines para vender mercadorias. O carnaval feito pela população já não existe mais com raras exceções, as escolas de sambas se tornaram uma grande indústria do entretenimento que movimenta milhões de reais, a população de baixa renda antes personagens principais, foi varrida dos destaques destas escolas de samba, hoje são apenas números. Enquanto os empresários bancam suas musas para se tornarem celebridades e com isto receber convites para capas de revistas masculinas ou ascender através de espaços na mídia, contratos etc. Atrizes, modelos, atletas, turista, empresários, colunistas sociais e outros, são estes os personagens principais de nosso carnaval, até o carnaval da Bahia se elitizou “Quem não paga o abadá não pode ficar próximo ao trio elétrico”, quem não tem padrinho não se torna madrinha das baterias das escolas de samba do Rio e de São Paulo.

Vivemos a época da morte da razão crítica tão propalada pelo iluminismo ainda no nascedouro do capitalismo, asfixiadas pelas relações de produção capitalista, a indústria cultural ou indústria da diversão, promove a deturpação das consciências levando os sujeitos à adaptação ao sistema social dominante.

O nosso carnaval como parte da indústria do lazer e divertimento investe em determinados produtos culturais que agradam as massas de forma imediata, ela não está preocupada com uma educação estética, ou seja, com a criação de condições culturais para a maioria das pessoas receberem uma qualidade melhor de produtos culturais, este tipo de entretenimento apenas aliena as massas.

Este tipo de manifestação não leva ao enriquecimento pessoal, não leva ao questionamento e a reflexão da realidade onde vivemos.

Esta indústria do simples divertimento, da distração é da perpetuação das condições atuais de existência. Este tipo de indústria que leva difusão de suas mercadorias culturais (Filmes, músicas, shows, revistas, novelas, futebol...) vende os valores dominantes do capitalismo, promovendo alienação dos consumidores desses produtos.

A arte, como diz o filósofo comunista Georg Lukács, é um fenômeno social, ela reflete a sociedade e suas contradições no caso do capitalismo o conflito capital x trabalho. O artista por ser um ser social não está imune ao conflito que ocorre na sociedade burguesa nem está acima deles como querem nos fazer acreditar certos artistas. O artista como um ser social deve refletir através de sua obra de arte a maneira de sentir o mundo em que vive, as alegrias, as angústias, os problemas e as esperanças de seu momento histórico.

Apesar do embotamento da sensibilidade e do sufocamento da arte, pela indústria cultural, a arte conseguirá assim mesmo sobreviver e surgirão sempre artistas que através de suas obras de artes refletirão as alegrias, tristezas, angústias e esperanças de nossos trabalhadores e estes artistas vão se colocar em combate à alienação e à ideologia burguesa.

domingo, 20 de março de 2011

VADE RETRO, OBAMA! (Governo brasileiro se curva ao imperialismo)

NOTA POLÍTICA DO PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO

A vinda de Obama ao Brasil foi um gesto forte que marcou, para o Brasil e o mundo, um claro movimento de estreitamento das relações entre os governos brasileiro e norte-americano. O governo Dilma aponta para a continuidade, em nova fase, das ações de defesa dos interesses do capitalismo brasileiro no exterior.

A agenda midiática da visita sinaliza claramente um realinhamento do Brasil ao imperialismo norte-americano. Obama, por decisão do novo governo, foi o primeiro estadista estrangeiro a visitar o Brasil após a posse de Dilma. Mas não foi uma visita qualquer.

O governo brasileiro montou um palanque de honra e um potente amplificador para Obama falar ao mundo, em especial à América Latina, para ajudar os EUA a recuperarem sua influência política e reduzir o justo sentimento antiamericano que nutre a maioria dos povos. Nem na ditadura militar, um presidente estadunidense teve uma recepção tão espalhafatosa como a que Dilma lhe ofereceu.

Os meios de comunicação burgueses do mundo todo anunciam hoje em suas manchetes “o carinho do povo brasileiro com Obama” e a “amizade Brasil/Estados Unidos”. Caiu a máscara de uma falsa esquerda que proclama a política externa brasileira como “antiimperialista”.

Em verdade, o Brasil esteve três dias sob intervenção do governo ianque, que decidiu tudo, desde os acordos bilaterais a serem assinados à agenda, à segurança, à repressão a manifestações, ao itinerário, ao alojamento, às visitas e até ao cardápio de Obama. No Rio de Janeiro, a diplomacia americana e a CIA destituíram o governador e o prefeito, que queriam surfar na visita ilustre, decidindo tudo a respeito da presença de Obama na capital do Estado. Até a Câmara Municipal do Rio de Janeiro, que fica na Cinelândia, foi obrigada a suspender suas atividades na sexta-feira. Foi ocupada por agentes norte-americanos e militares brasileiros para os preparativos do comício de domingo, que seria na praça em frente.

No caso da América Latina, foi um gesto de solidariedade aos EUA em sua luta contra os processos de mudança, sobretudo na Venezuela, Bolívia e no Equador e uma vista grossa ao bloqueio a Cuba Socialista e à prisão dos Cinco Heróis cubanos.

A moeda de troca para abrirmos mão de nossa soberania foi um mero aceno de apoio norte-americano à pretensão obsessiva do Estado burguês brasileiro de ocupar uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU, um símbolo para elevar o Brasil à categoria de potência capitalista mundial. Tudo para expandir os negócios dos grandes grupos brasileiros no mercado norte-americano e mundial.

Enganam-se os que pensam que existe contradição entre a política externa do governo Lula e a de Dilma, ambas fundamentalmente a serviço do capital. Trata-se agora de uma inflexão pragmática. Após uma fase em que o Brasil expandiu e consolidou os interesses de seus capitalistas por novos “mercados” como América Latina, África, Ásia e Oriente Médio, a tarefa principal agora é dar mais atenção aos maiores mercados do mundo, para cuja disputa segmentos da burguesia brasileira se sentem mais preparados.

Vai no mesmo sentido a vergonhosa atitude de Dilma lavar as mãos para facilitar a extradição de Cesare Battisti ao governo italiano, dirigido pelo degenerado cafetão Berlusconi, entregando um militante de esquerda na bandeja do imperialismo europeu, no exato momento em que cresce na região a resistência dos trabalhadores.

O governo brasileiro, durante os três dias em que Obama presidiu o Brasil, não fez qualquer gesto ou apelo aos EUA, sequer de caráter humanitário, pelo fim do bloqueio a Cuba, o desmonte do centro de tortura em Guantánamo, a criação do Estado Palestino, o fim da intervenção militar no Iraque e no Afeganistão.

Debochando da soberania brasileira e da nossa Constituição - que define nosso país como amante da paz mundial e da autodeterminação dos povos -, Obama ordenou os ataques militares contra a Líbia a partir do território brasileiro, exatamente em Brasília, próximo à Praça dos Três Poderes, que se ajoelharam todos diante desta humilhação ao povo brasileiro. Não se deu ao trabalho de ir à Embaixada americana, para de lá ordenar a agressão militar. Fê-lo em meio a compromissos com seus vassalos, entre os quais ministros de Estado brasileiros que se deixaram passar pelo vexame de serem revistados por agentes da CIA.

O principal objetivo da vinda de Obama ao Brasil foi lançar uma ofensiva sobre as reservas petrolíferas brasileiras do pré-sal, uma das razões da reativação da IV frota naval americana nos mares da América Latina. No caso de alguns países, o imperialismo precisa invadi-los militarmente para se apoderar de seus recursos naturais. No Brasil, bastam três dias de passagem do garoto propaganda do estado terrorista norte-americano, espalhando afagos cínicos e discursos demagógicos.

Outro objetivo importante da visita tem a ver com a licitação para a compra de aviões militares, suspensa por Dilma no início do ano, justamente para recolocar no páreo os aviões norte-americanos. Além disso, os EUA garantiram outros bons negócios na agricultura, no setor de serviços, na maior abertura do mercado brasileiro e latino-americano em geral.

Obama só foi embora fisicamente. Mas deixou aqui fincada a bandeira de seu país, no coração do governo Dilma. Cada vez fica mais claro que, no caso brasileiro, o imperialismo não é apenas um inimigo externo a combater, mas um inimigo também interno, que se entrelaçou com os setores hegemônicos da burguesia brasileira. O pacto Obama/Dilma reforça o papel do Brasil como ator coadjuvante e sócio minoritário dos interesses do imperialismo norte-americano na América Latina, como tristemente já indicava a vergonhosa liderança brasileira das tropas militares de intervenção no Haiti.

O PCB, que participou ativamente das manifestações contra a presença de Obama no Brasil, denuncia o inaudito aparato repressivo no centro do Rio de Janeiro. Repudia a repressão exercida contra ativistas políticos e se solidariza de forma militante com os companheiros presos.

Desde a época da ditadura, nunca houve tamanha repressão e restrição à liberdade de expressão e ao direito de ir e vir. No domingo, o centro do Rio de Janeiro foi cercado por tropas e equipamentos militares. Uma passeata pacífica foi encurralada por centenas de militares armados, agentes à paisana, cavalaria e tropa de choque. Nunca houve tamanho aparato militar, mobilizado pelas três esferas de governo - Federal, Estadual e Municipal -, sob o comando da CIA e do Pentágono, em clara e desavergonhada submissão ao imperialismo.

A resistência do movimento popular teve uma vitória importante: a pressão exercida levou à suspensão de um comício de Obama em praça pública, na Cinelândia, local que simboliza as lutas democráticas e da esquerda brasileira. Obama fugiu do povo e falou em local fechado para convidados escolhidos a dedo, pelo consulado americano, a nata da burguesia carioca: falsos intelectuais, empresários associados, jornalistas de aluguel, artistas globais, políticos oportunistas, deslumbrados e emergentes, enfim, uma legião de puxa-sacos que se comportaram como claque de programa de auditório de mau gosto para o chefe dos seus chefes.

Partido Comunista Brasileiro
Comitê Central – 20 de março de 2011

Contra a invasão da Líbia e a guerra imperialista

NOTA POLÍTICA DO PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO

O Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro (PCB), reunido no Rio de Janeiro, manifesta o seu mais veemente repúdio aos ataques militares contra a Líbia e à aprovação pela ONU de uma zona de exclusão aérea sobre seu território, sob o pretexto de proteger as forças de oposição a Kadafi.

O PCB ressalta que, por trás da ofensiva bélica imperialista existe um objetivo muito claro: o controle das reservas de petróleo líbio pelas potências imperialistas e a tentativa de divisão do território da Líbia.

O pretexto de defender os direitos humanos e proteger a população do País é apenas uma cortina de fumaça para justificar esse ato infame contra o povo líbio, pois nem EUA nem a União Européia têm autoridade moral para defender essas bandeiras, uma vez que foram e são patrocinadores das ditaduras mais sanguinárias do planeta, dos governos mais sanguinários do Oriente Médio e das monarquias despóticas que dirigem grande parte da região. Além disso, esses países calam-se diante da invasão do Bahrein pelas tropas da Arábia Saudita e dos emirados Árabes Unidos.

O PCB condena a campanha de desinformação realizada pela mídia hegemônica mundial no sentido de justificar a invasão. Trata-se de mais uma ação do imperialismo no sentido de continuar a política de invasões a países soberanos, como aconteceu na Iugoslávia, Iraque e Afeganistão, com enorme banho de sangue, visando a se apropriar das riquezas naturais e do controle geopolítico da região.

O PCB, coerente com a política de respeito à autodeterminação dos povos, exige o imediato fim dos bombardeios e da intervenção militar e apela às forças progressistas e internacionalistas no sentido de cerrar fileiras na defesa da integridade do território líbio e contra as intervenções imperialistas.

Fora as tropas da OTAN da Líbia!

Pelo fim dos ataques militares à população!

Pela autodeterminação do Povo líbio!

Partido Comunista Brasileiro
Comitê Central

quinta-feira, 10 de março de 2011

The Economist prega guerra contra funcionários públicos

BERNARD CASSEN

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer

Em um informe publicado dia 8 de janeiro, a revista anunciou a "próxima batalha" liberal: o confronto com os sindicatos do setor público. A tese da revista pode ser resumida em três pontos: os Estados europeus enfrentam déficits públicos abismais; para reduzir o gasto, é preciso reduzir efetivos, salários e sistemas de pensões dos funcionários; os governos ganharão a opinião pública incentivando a denúncia dos “privilégios” (em especial a estabilidade no trabalho) dos “acomodados” do setor público. Em nenhum momento o informe recorda que os déficits públicos são em grande parte consequência das ajudas colossais aos bancos e outros responsáveis pela crise atual.

A revista The Economist é onde são expostas com maior radicalismo – e também com talento – as teses ultraneoliberais. É conhecida a grande influência que este semanário britânico exerce sobre as autoridades políticas, influência esta que vai muito além do mundo anglosaxão. O que The Economist preconiza transmite-se frequentemente para as políticas dos governos, em primeiro lugar na Europa. Por isso, é preciso levar muito a sério a capa da edição de 8 de janeiro passado e o conteúdo do informe especial: “A próxima batalha. Rumo ao confronto com os sindicatos do setor público”.

A tese da revista é de uma simplicidade evangélica e pode ser resumida em três pontos: a) todos os Estados europeus enfrentam déficits públicos abismais; b) para reduzir o gasto público, é preciso reduzir os efetivos, os salários e os sistemas de pensões dos funcionários; c) os governos ganharão com maior facilidade a opinião pública incentivando a denúncia dos “privilégios” (em especial a estabilidade no trabalho) dos “acomodados” do setor público, que supostamente vivem a custa do conjunto dos contribuintes.

Em nenhum momento o informe recorda que os déficits públicos são em grande parte consequência das ajudas colossais aos bancos e outros responsáveis pela crise atual. Tampouco que estes déficits aumentaram devido aos presentes sob a forma de isenções fiscais outorgadas aos ricos. Nem sequer se deixa claro que, em troca de seu salário, os funcionários prestam serviços indispensáveis para o bom funcionamento da sociedade.

Em particular os professores, atacados muito especialmente neste informe.

O jornalista que escreveu um dos artigos deve estar muito desinformado sobre as reais condições de trabalho dos professores para ter coragem de escrever que “65 anos deveria ser a idade mínima para que essa gente que passa a vida em uma sala de aula se aposente”.

The Economist festeja que vários governos europeus – dois deles dirigidos por “socialistas”, Grécia e Espanha – tenham rebaixado os salários de seus funcionários e que, em toda a União Europeia haja “reformas” – seria mais justo falar de contrarreformas dos sistemas de pensões já realizadas ou em vias de realização.

Por ideologia, os liberais são hostis aos funcionários e demais assalariados do setor público. Em primeiro lugar porque privam o setor privado de novos espaços de lucro. Em segundo porque, protegidos por seu estatuto, podem ser socialmente mais combativos que seus companheiros do setor privado, até o ponto de que, às vezes, fazem greves “por delegação” e representam os trabalhadores do setor privado que não podem fazê-las.

Esta solidariedade é a que os governos querem destruir a todo custo para reduzir a capacidade de resistência das populações contra os planos de ajuste e de austeridade implementados em toda a Europa. Os déficits públicos constituem assim um pretexto inesperado para modificar as relações sociais conflitivas em detrimento do mundo do trabalho.

Defender os serviços públicos é defender o único patrimônio do qual dispõem as categorias mais pobres da população. A aposta na caça aos funcionários públicos e a seus sindicatos proposta por The Economist não é apenas financeira. É política ou ideológica.

O texto "The Economist prega guerra contra funcionários públicos" for originalmente publicado na versão em espanhol do site do Le Monde diplomatique: http://www.monde-diplomatique.es/?url=articulo/0000856412872168186811102294251000/?articulo=481c05e3-5c74-418d-ada4-75817f3ca13d

Necessidade vs. ganância: o planeta está no limite

JEFFREY SACHS
Professor de Economia e diretor do Instituto Terra da Universidade Columbia. Conselheiro especial da Secretaria Geral das Nações Unidas para as Metas do Milênio.

Tradução: Katarina Peixoto


O mundo está rompendo os limites no uso de recursos. Com a economia mundial crescendo a 4-5% ao ano, estará num caminho para dobrar de tamanho em menos de vinte anos. Os 70 trilhões de dólares da economia mundial serão 140 trilhões, antes de 2030, e 280 trilhões antes de 2050, em caso de extrapolarmos as taxas de crescimento de hoje. Nosso planeta não suportará fisicamente esse crescimento econômico exponencial, se deixarmos a ganância levar vantagem. O crescimento da economia mundial já está esmagando a natureza. 

O maior líder moral da Índia, Mahatma Gandhi tem a famosa máxima segundo a qual há o suficiente na Terra para suprir as necessidades de todo mundo, mas não para as ganâncias de todo mundo. Hoje, o insight de Gandhi está sendo posto em teste mais do que nunca.

O mundo está rompendo os limites no uso de recursos. Estamos sentindo diariamente o impacto de enchentes, tempestades e secas – e os resultados aparecem nos preços no mercado. Agora nosso destino depende de se cooperamos ou ficamos vítimas da ganância autodestrutiva.

Os limites da economia global são novos, resultam do tamanho sem precedentes da população mundial e da disseminação sem precedentes do crescimento econômico em quase todo o mundo. Há no momento sete bilhões de pessoas no planeta; há meio século, eram três bilhões. Hoje, a renda média per capita está em torno de 10 mil dólares; no mundo rico, em torno de 40 mil dólares, e no mundo em desenvolvimento, em torno de 4 mil. Isso significa que a economia mundial está agora produzindo em média 70 trilhões de dólares em rendimentos totais por ano, comparados a algo como 10 trilhões, em 1960.

A economia da China está crescendo em torno de 10% ao ano. O crescimento da Índia está próximo do mesmo índice. A África, a região com o crescimento mais lento, está batendo a casa dos 5% no crescimento anual do PIB. Sobretudo os países em desenvolvimento estão crescendo em torno de 7% ao ano, e as economias desenvolvidas em torno de 2%, mantendo o crescimento global em algo como 4,5%.

Ganância ou crescimento


Essas são boas notícias em vários aspectos. O rápido crescimento econômico nos países em desenvolvimento está aliviando a pobreza. Na China, por exemplo, a pobreza extrema diminuiu bem mais da metade da população, e hoje atinge 10% ou menos da população.

Há no entanto um outro lado da história do crescimento global que devemos entender claramente. Com a economia mundial crescendo a 4-5% ao ano, estará num caminho para dobrar de tamanho em menos de vinte anos. Os 70 trilhões de dólares da economia mundial serão 140 trilhões, antes de 2030, e 280 trilhões antes de 2050, em caso de extrapolarmos as taxas de crescimento de hoje.

Nosso planeta não suportará fisicamente esse crescimento econômico exponencial, se deixarmos a ganância levar vantagem. O crescimento da economia mundial já está esmagando a natureza hoje, depredando rapidamente as fontes de combustível fóssil que a natureza levou milhões de anos para criar, enquanto o clima resultante da mudança climática tem gerado instabilidades massivas em termos de regime de chuvas, de temperatura e de tempestades extremas.

Vemos diariamente essas pressões no mercado. O preço do petróleo chegou a mais de 100 dólares o barril, enquanto China, Índia e outros países importadores se juntam aos EUA, num negócio massivo, para comprar combustível, especialmente do Oriente Médio. O preço dos alimentos também está em patamares históricos, contribuindo com a pobreza e a instabilidade política.

Esgotamento ambiental


Por um lado, há mais bocas para alimentar e, em geral, com maior poder aquisitivo. Por outro, ondas de calor, secas, enchentes e outros desastres induzidos pela mudança climática estão destruindo safras e reduzindo os estoques de grãos nos mercados mundiais. Nos últimos meses, várias secas atingiram a produção de grãos de regiões da Rússia e da Ucrânia, e enchentes enormes ocorreram no Brasil e na Austrália; agora, outra seca está ameaçando o cinturão de grãos da China.

Há algo mais do que a visão de que isso é muito perigoso. Em muitas partes populosas do mundo, inclusive em regiões de produção de grãos no nordeste da Índia, da China e no Meio Oeste dos EUA fazendeiros estão cavando cada vez mais fundo para irrigar suas lavouras.

Os grandes aquíferos que forneciam água para irrigação estão sendo esvaziados. Em alguns lugares da Índia, o nível das águas está baixando vários metros anualmente nos últimos anos. Alguns poços estão próximos da exaustão, com uma salinidade tão alta que parece que infiltraram águas oceânicas no aquífero.

Se não mudarmos, uma calamidade é inevitável. E é aqui que entra Gandhi. Se nossas sociedades estão correndo segundo o princípio da ganância, com os ricos fazendo de tudo para ficarem mais ricos, a crescente crise de recursos levará a uma ampla divisão entre ricos e pobres – e muito possivelmente a uma crescente luta por sobrevivência.

Conflito de classes

Os ricos tentarão usar seu poder para dominar mais terra, mais água e mais energia para si mesmos, e muitos vão dispor de meios violentos para fazê-lo, se necessário. Os EUA já seguiram a estratégia de militarização no Oriente Médio, na esperança ingênua de que esse tipo de abordagem pode assegurar fornecimento de energia. Agora, a competição por esses suprimentos está se intensificando com a China, Índia e outros, na corrida pelos mesmos (em vias de esgotamento) recursos.

Um poder análogo de captura de recursos está sendo tentado na África. O aumento dos preços de alimentos está levando a um aumento do preço das terras, enquanto políticos poderosos vendem a investidores estrangeiros vastas fazendas, varrendo do mapa as agriculturas tradicionais e os direitos dos pequenos agricultores. Investidores estrangeiros esperam usar grandes fazendas mecanizadas para produzir para exportação, deixando pouco ou nada para as populações locais.

Em toda parte nos grandes países – EUA, Reino Unido, China, Índia e outros – os ricos têm desfrutado de renda elevada e do aumento de poder político. A economia dos EUA foi sequestrada por bilionários, pela indústria do petróleo e outros setores chave. A mesma tendência ameaça as economias emergentes, onde a riqueza e a corrupção estão em alta.

Se a ganância vencer, a máquina do crescimento econômico depredará os recursos, deixará os pobres de lado e nos conduzirá a uma profunda crise social, política e econômica. A alternativa é um paradigma de cooperação social e política, tanto no interior dos países, como internacionalmente. Haverá recursos suficientes e prosperidade para seguir em frente, se convertermos nossas economias em fontes renováveis de energia, em práticas agrícolas sustentáveis e numa taxação razoável dos ricos. Este é o caminho da prosperidade compartilhada, por meio do avanço tecnológico, da justiça política e da consciência ética.

quarta-feira, 9 de março de 2011

A classe operária vai ao paraíso – o trabalhador industrial entre o céu e o inferno

SÉRGIO PRIEB
Professor Associado do Departamento de Ciências Econômicas da UFSM
Doutor em Economia Social e do Trabalho pela Unicamp.

Eu sou uma máquina, eu sou uma roldana, eu sou uma rosca,
eu sou um parafuso, eu sou uma correia de transmissão,
eu sou uma bomba, aliás, a bomba está estragada,
não funciona mais, e agora não pode mais ser reparada”.
(Lulu Massa)

Os pobres ficam loucos porque tem pouco,
e os ricos ficam loucos porque tem demais
(Militina)

A Itália saiu da Segunda Guerra Mundial com uma grave crise econômica, e em função disso, deparou-se com um profundo avanço da esquerda. Já em 1948 uma greve geral mobilizou mais de 7 milhões de trabalhadores por três dias, os partidos de esquerda, atingiram a soma de 10 milhões de votos nos anos 50, perdendo apenas para a democracia cristã (1). O Partido Comunista Italiano (PCI) fundado por Antonio Gramsci e Palmiro Togliatti teve um papel de destaque no avanço da esquerda italiana, muito devido a ativa participação dos comunistas na resistência anti-fascista. Mas foi sob o comando do secretário-geral Enrico Berlinguer, que o PCI chega ao seu auge de influência política nos anos 70, sendo considerado o maior partido comunista do ocidente, com 1,7 milhões de filiados e tendo atingido nas eleições de 1976, 34,4 milhões de votos.

A década de 70 seria, no entanto, um período de profundas transformações no capitalismo do mundo todo, em que se inclui a Itália. Depois de um período de conquistas para a classe trabalhadora, o padrão de acumulação taylorista-fordista entra em plena decadência. O resultado seria que muitos dos direitos conquistados seriam postos em xeque pelas burguesias da época, que objetivando diminuir os custos introduzem inovações tecnológicas poupadoras de força de trabalho. Seria o predomínio pleno da subsunção real sobre a formal (2), da mais-valia relativa sobre a absoluta, que já vinha desde a eclosão da Revolução Industrial. O homem cada vez mais se torna um apêndice da máquina, não é mais a ferramenta que é construída para adaptar-se a mão do homem, é o homem que tem de adaptar-se à máquina. O papel do trabalhador na geração de riqueza passa a ser questionado, a crise capitalista faz com que a organização dos trabalhadores se depare com o aumento do desemprego, a carestia e a convivência com a reestruturação do trabalho na fábrica.

A partir de todas estas transformações que o mundo do trabalho vivenciava, uma pergunta ecoava na cabeça da esquerda da época: para onde estará indo a classe trabalhadora? O filme “A classe operária vai ao paraíso” de 1971 com direção de Élio Petri busca responder a essa pergunta: vai depender da própria classe trabalhadora, do despertar ou não de sua consciência de classe. Por esse motivo, esse é talvez o mais representativo dos filmes políticos italianos dos anos 70 (3). O engajamento passa pelo próprio diretor, militante por muitos anos do PCI, sendo que mesmo depois de sair do partido continuou colaborando na seção de cinema do jornal oficial dos comunistas italianos, o “L’Unitá”. O ator principal do filme, Gian Maria Volonté por toda a vida foi militante do PCI, sendo protagonista de inúmeros filmes políticos italianos entre os anos 60 e 80 (4).

O filme tem como cenário principal a BAN, uma fábrica que produz peças para motores. Ela utiliza o sistema de metas de produção, sendo que o desenvolvimento tecnológico que leva ao aumento da produtividade do trabalho não tem sido acompanhado do acréscimo salarial. Como diz o discurso de um líder sindical: “quando faziam 1000 peças por dia ganhavam 300 liras de salário, agora produzem 3000 peças e o salário é o mesmo”. A postura que os operários devem manter no trabalho é sempre em pé, nunca sentados, o que faz com que um operário veterano com problemas de próstata tenha incontinência urinária. Ao mesmo tempo, numa época em que a moda era os homens usarem cabelos compridos, estes são forçados a usarem toucas como as da força de trabalho feminina, o que seria caracterizado hoje como uma atitude típica de assédio moral.

Os operários iniciam sua jornada de trabalho ao som de um alto-falante que busca incentivá-los ao bom desempenho no trabalho, alertando para que cuidem da manutenção da máquina, e mais do que isso, no mais puro exemplo de relação fetichista entre homem e máquina, pede aos trabalhadores que tratem esta com amor o que não é seguido ao menos pelos mais politizados, que chegam a cuspir na máquina em atitude de desabafo.

Nem todos os trabalhadores, no entanto, tem esta atitude de revolta. Lulu Massa (Gian Maria Volonté) é o que no Brasil comumente se chamaria de “operário-padrão” (5), um operário braçal que devido a sua alta produtividade passa a ser o parâmetro para todos os demais trabalhadores da fábrica BAN. É Lulu que com sua grande destreza e impressionante poder de concentração dita o ritmo de trabalho para os demais operários, estabelecendo as metas a serem atingidas pelos colegas.

A postura de Lulu no trabalho, de carrasco para os outros operários e de subserviência ao patronato, traz uma série de contradições que ele vivencia em boa parte do filme. Os colegas no trabalho o chamam de “puxa-saco” do patrão, e ele incomodado com a acusação pergunta em casa à sua mulher: “Acha que sou um puxa-saco?” ao que ela responde: “Comigo não”. Lulu têm uma atitude de submissão ao patrão, ao capital, a quem lhe paga o suado salário. Aos colegas que questionam as altas metas que são exigidas e que ele deveria se empenhar em ao invés de aumentá-las, diminuí-las, responde tão somente: “não inventei o sistema”.

Em relação aos demais operários, sua postura é de desprezo, considera-os uns preguiçosos por não serem iguais a ele. Evita dirigir-lhes a palavra quando trabalha, acha que conversar conduz à distração e o faz perder dinheiro: “Entre uma fala e outra são 30 liras a menos”, diz a um novato que se apresenta a ele. Ao mesmo tempo, Lulu tem consciência de que o seu trabalho não exige qualquer atributo intelectual mais desenvolvido, ao mesmo novato ao ensinar uma tarefa diz: “Esta função até um macaco pode fazer, portanto, você também pode”. Em outro momento do filme, quando visita no hospício um velho operário politizado, porém, enlouquecido, Militina, este comenta com Lulu lendo uma notícia de jornal, que os cientistas haviam descoberto um macaco que acreditava ser humano, “um engenheiro”, afirma Militina, “pobre macaco”, responde Lulu. A afirmação de Lulu de que o trabalho é simples e que até um macaco pode fazê-lo é expressão da separação entre a concepção e a execução do trabalho. Um grupo de trabalhadores qualificados de nível superior, dita aos operários o que fazer e como fazer (6), ironicamente, o macaco da notícia de jornal pensava ser engenheiro, um trabalhador que concebe para os demais executarem. Lulu afirma aos colegas: “Tenho força e trabalho, só isso”. Isto é tudo que a fábrica exige dele, ele não precisa mais do que isto.

Apesar do desprezo que quer demonstrar pelos demais operários, ele sofre com o conflito dentro da fábrica. Sente-se injustiçado pelos colegas: “Me atacam, cospem, me contestam, sou tratado como um cão” desabafa à mulher. É a partir da relação com a mulher que Lulu apresenta outra ordem de conflitos, de ordem familiar. A mulher reclama da falta de libido de Lulu: “Um dia é a úlcera, no outro, dor de cabeça, em outro, dor nas costas”. Lulu tenta jogar a culpa pela falta de desejo sexual na própria mulher, uma “carne de conserva”, como ele afirma, em que tudo era postiço: “Cabelo postiço, tetas postiças, unhas postiças”.

O local de trabalho é visto por Lulu como uma competição em que ele é o campeão, e é nesta disputa que ele deposita toda sua energia. Assim, o trabalho é quase uma atividade sexual, ou na verdade, substitui a sua vida sexual real. É pensando no traseiro de sua colega, Adalgisa (que como ele faz questão de ressaltar, é virgem) que está o segredo de sua concentração. A definição de paraíso para Lulu é o que Adalgisa tem entre as pernas, ao menos é o que diz a ela. Lulu raramente consegue ter relações sexuais com sua mulher, e quando acontece ele concentra-se como se estivesse operando a máquina da fábrica.

Lulu sonha com a fábrica, quando dorme mexe com o dedo como se ainda estivesse trabalhando. O som do despertador (ele tem quatro em casa) o acorda como se fosse o som da sirene da fábrica. Tem 31 anos e está envelhecendo precocemente (7), trabalha na BAN há 15 anos, tem úlcera, o que faz com que no horário de almoço não coma nada, fuma compulsivamente, e no passado quando trabalhava em uma fábrica de tintas, teve duas intoxicações por tinta.

Os conflitos familiares de Lulu ocorrem também com seu filho Armando, que chama de pai o atual marido de sua ex-mulher, um colega de trabalho ligado ao sindicato. Em relação ao seu enteado, filho de sua atual mulher, Lulu demonstra certo grau de afeto, trata-o como se fosse seu filho, apesar da rivalidade futebolística entre os dois, e mesmo com alguns tapas que lhe dá esporadicamente (para Lulu, isto é normal). Enche o enteado de presentes que ocupam boa parte do pequeno apartamento em que os três moram, aliás, o consumismo é outro aspecto importante do filme. Lulu gasta o dinheiro que ganha na fábrica em supérfluos, na verdade, trabalha demais, e o resultado de seu trabalho é utilizado para satisfazer os desejos consumistas de sua mulher. Tem uma sala de visitas na casa de Lulu em que ele é proibido de ver televisão ou mesmo frequentar, sob o argumento de que ele “vai desarrumar”.

Um aspecto que chama a atenção no comportamento de Lulu é sua obsessão com a ordem das coisas. Massa insiste, por exemplo, em alinhar perfeitamente os talheres em cima da mesa, o vidro de pimenta tem estar sempre de pé, etc. Quando Lulu visita Militina no hospício, pergunta a este como foi que ele percebeu que estava ficando louco, para desespero de Lulu, os primeiros sintomas de loucura de Militina eram iguais aos seus, talheres alinhados “como soldados”. Quando Militina estava na mesa, achava que ainda estava na fábrica, assim como Lulu que a todo instante age como se ainda estivesse trabalhando, se algo de novo não acontecer na sua vida, Lulu terá o mesmo fim de Militina, não é à toa que este se despede de Lulu desejando boa permanência, como se o louco fosse o visitante, e ele, Militina, fosse embora do hospício.

O momento mais impressionante do filme é quando Lulu pergunta a Militina porque o internaram. Militina fez a pergunta que muitos trabalhadores gostariam de fazer: “O que produzimos na fábrica?”, ao ver que Lulu tem dificuldade em responder o que passa anos de sua vida a produzir, Militina afirma: “Um homem tem o direito de saber o que fabrica, para que serve. Sim ou não?”. A partir daí ficamos sabendo que Militina foi internado porque tentou estrangular o diretor da empresa que não respondeu a sua pergunta (8).

Militina questiona a fábrica, a sociedade moderna, o próprio capitalismo, para ele, tudo isto é um inferno, assim como o hospício. A loucura seria uma decorrência natural da sociedade moderna, em que o indivíduo acaba sendo destruído física e mentalmente, é assim que o velho operário descreve a loucura: “o cérebro, aos poucos some, faz greve”. Afinal, quem está mais fora da realidade, o alienado Lulu ou o louco Militina?

A mudança na vida de Lulu, que talvez seja a responsável por afastá-lo da loucura é um acidente de trabalho. Para ele, parar a máquina para retirar a peça pronta era perda de tempo e de dinheiro, pegando as peças em movimento se pouparia 3 segundos por peça. Ao discutir com um colega ao mesmo tempo em que trabalha se desconcentra e a máquina decepa um dedo de sua mão. A perda do dedo dá uma virada na vida de Lulu. Os conflitos entre as duas forças políticas que disputam o operariado da BAN, os sindicalistas e os estudantes, refletem as divergências no seio da esquerda italiana da época.

O discurso ultra-esquerdista dos estudantes, filhos de classe média sem vínculo formal algum com o mundo do trabalho, assume ares de “revolução já!” com a palavra de ordem: “tudo hoje e nada amanhã”. Defendem os chamados “comitês unitários de base”, que formaria a “aliança revolucionária entre operários e estudantes”. Os estudantes consideram que os operários devem ignorar os sindicatos, considerados reformistas, acham que os trabalhadores não devem fazer acordo algum e sim abolir de vez o sistema de metas de produção: “a fábrica é uma prisão, deve-se fugir dela ou arrebentar tudo” (9).

O grupo dos sindicalistas (são três sindicatos que compõe a base da BAN, atuando em relativa unidade sob a hegemonia dos comunistas), tidos como reformistas pelos estudantes. Defendem a negociação do sistema de metas, já que sua simples exclusão seria impossível, e acima de tudo, buscam a unidade sindical dos trabalhadores. Os sindicalistas opõe-se aos estudantes por verem neles um grupo divisionista que defende a “quebra da unidade” dos sindicalistas. Não é à toa que um deles a todo instante pergunta: “Quem é que paga esses caras?”, “quem mandou esses aí?”.

O acidente com o dedo de Lulu é mais uma centelha no conflito contra os patrões e entre sindicalistas e estudantes. O acidente é atribuído ao ritmo de trabalho fora do normal em que os trabalhadores da fábrica eram submetidos, em que “os patrões cortam o tempo livre dos operários e este cortam os dedos”. A revolta dos colegas ocorre no momento do acidente, resultando da suspensão de seis operários. Quanto a esta revolta os sindicalistas dizem: “Se os patrões não sustarem a suspensão dos seis operários, os sindicatos devem decretar a greve. Não aceitem provocações”. Em resposta os estudantes dizem: “À violência patronal se responde com a violência do operariado”.

Lulu, como “cristão novo” no meio dos conflitos de classe, assume o lado mais esquerdista, o dos estudantes. Participa de uma assembleia pela primeira vez, e repetindo o discurso dos estudantes, afirma que os operários chegam à fábrica antes do sol nascer e saem depois do sol se por: “Isso é vida? Podemos ficar trabalhando até a morte, sem parar, e assim, deste inferno passamos para o outro, que é a mesma coisa”.

A assembleia decide que os operários diminuam em duas horas por dia a jornada em protesto, Lulu passa por cima da decisão da assembleia e propõe “greve já!”. A unidade do movimento está quebrada, o ultra-esquerdismo falou mais alto. Os estudantes com a proposta de greve imediata forçam um conflito violento com a polícia, em que Lulu, até então um fura-greve, tem uma atuação decisiva, inclusive se jogando em cima do carro de um dirigente da BAN. A repressão da polícia é brutal, e Lulu leva seus novos amigos, os estudantes, para sua casa.

O conflito com a mulher estando a casa recheada de estudantes esquerdistas era iminente. A faceta consumista da mulher de Lulu entra logo em choque com o seu discurso atual bem como dos seus novos companheiros. De forma hilária ela afirma ser contra o comunismo e que um dia vai ter um casaco de peles. A mulher vai embora levando o enteado, e os estudantes com medo que ela chamasse a polícia também desaparecem.

O preço que Lulu paga por sua nova faceta politizada é alto. É demitido da fábrica. Procura os estudantes para perguntar o que fazer, no entanto, para eles a fábrica é coisa do passado. Mudaram o foco de atuação da porta da fábrica para a ocupação de uma universidade onde temporariamente “assumiram o poder” e residem. Lulu se dá conta que o apoio aos estudantes foi um erro, mostra finalmente um sinal de amadurecimento político quando percebe que os estudantes não devem dizer aos operários o que eles devem fazer: “um operário tem de pensar por si”, afirma.

Depois de todo o conflito, Lulu é outra pessoa. Finalmente ele acordou para a realidade do mundo que o cerca, e brilhantemente, o filme de Petri remete à teoria do valor-trabalho de Marx (10) em seu final, quando Lulu ao analisar as mercadorias inúteis que comprou por muitos anos de trabalho faz a conta de quantas horas de trabalho dedicou a cada objeto: “Estátua, 2 dias de trabalho; mesinha dourada, 30 horas de trabalho; quadro de palhaço, 10 horas de trabalho, se pego quem teve a ideia de fazer essas coisas…”.

Se o divisionismo proposto pelos estudantes resultou tão somente no desemprego de Lulu, os sindicalistas invadem sua casa dizendo que o sindicato conseguiu negociar sua readmissão na empresa e finalmente regulamentar o sistema de metas de produção. Enfim, uma dupla vitória dos trabalhadores.

A última cena mostra Lulu conversando com seus colegas durante o trabalho, ele não é mais um homem-máquina, se humanizou, canta, conversa, brinca, trabalha, dorme e sonha. Compartilha com os demais o sonho que teve em que um dia os operários derrubarão o muro que os aprisiona na BAN, a fábrica que na verdade produz muito mais do que peças que eles na verdade não sabem sua serventia, produz acima de tudo, trabalho alienado. A queda do muro da fábrica possibilita a todos trabalhadores sair do inferno capitalista e construir o paraíso. Assim como Lulu e tantos outros, continuamos sonhando com este dia.


BIBLOGRAFIA CONSULTADA

BOFFI, Antonio. A quem o terrorismo favorece. Problemas – Publicação teórica e informativa, São Paulo, nº 2, jul/ago/set 1982, p. 107-113.


BRAVERMAN, Harry. Trabalho e capital monopolista – a degradação do trabalho no século XX. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987. 379 p.


DEL ROIO, José Luiz. Enrico Berlinguer e a evolução do PCI. São Paulo: Edições Novos Rumos, 1986. 113 p.


ENGELS, Friedrich. Sobre o papel do trabalho na transformação do macaco em homem. In: MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Obras Escolhidas – vol. 2. São Paulo: Alfa-Omega, s/d. p. 267-280.


GUBER, A. A. (org.). Historia universal – vol. II. Moscú: Editorial Progreso, 1976. 449 p.


MARX, Karl. O capital – crítica da economia política – vol. I, tomo 2. São Paulo: Abril Cultural, 1984. 306 p.


MARX, Karl. O capital – crítica da economia política – vol. I, tomo 1. São Paulo: Abril Cultural, 1983. 301 p.


MARX, Karl. Capítulo VI inédito de O capital – resultados do processo de produção imediata. São Paulo: Moraes, 1985. 169 p.


NOTAS

(1) Guber (1976, p. 369).


(2) Sobre os conceitos de subsunção formal e subsunção real, ver Marx (1985) em “Capítulo VI inédito”, sobre a relação do homem com a máquina, ver Marx (1984) e Braverman (1987).


(3) O filme recebeu a Palme de Ouro em Cannes em 1972.


(4) Entre os quais podem ser destacados “Investigação sobre um cidadão acima de qualquer suspeita” (1970), “Sacco e Vanzetti” (1971), “Giordano Bruno” (1973), “O caso Aldo Moro” (1988).


(5) Na época da ditadura militar no Brasil era anualmente distribuído o prêmio “operário-padrão” pelas entidades patronais ao trabalhador mais assíduo, que não fazia greve e que não reivindicava melhores salários, ou seja, o “operário-padrão” era o trabalhador dos sonhos de todo patrão, o exemplo que deveria ser seguido por todos os demais. Sobre esta temática, o filme brasileiro “O homem que virou suco” de João Batista de Andrade de 1979, com muita sensibilidade aborda os reais sentimentos de ódio que um “operário-padrão” nutria por seu patrão, em que na cerimônia de sua premiação aproveita para assassiná-lo.


(6) Para Engels (s/d), o que diferencia as atividades do homem da dos animais é exatamente que o homem não age instintivamente como os animais. Os homens projetam inicialmente, no seu cérebro o que vão executar. O irônico é que com o aumento da divisão do trabalho e da mecanização, cada vez mais o trabalho fica desprovido de atributos intelectuais, aos poucos as atividades vão tornando-se tão simplificadas que os operários agem quase mecanicamente.


(7) O ator Gian Maria Volonté que na época do filme beirava os 40 anos, coincidentemente morreu em 1994 de uma doença degenerativa que o envelheceu precocemente.


(8) Na sociedade capitalista, os ofícios são destruídos, onde antes um indivíduo produzia toda uma mercadoria, agora ele somente produz uma parte, o operário perde a visão do todo, não tem noção do quanto seu trabalho vale, nem tampouco do que produz: “Do produto individual de um artífice autônomo, que faz muitas coisas, a mercadoria transforma-se no produto social de uma união de artífices, cada um dos quais realiza ininterruptamente uma mesma tarefa parcial (Marx, 1983, p. 268).


(9) Muitos militantes italianos acabaram enveredando para o grupo ultra-esquerdista “Brigadas Vermelhas” nos anos 70, responsável pelo assassinato mesmo de militantes sindicais e comunistas, taxados de “inimigos do povo” (Boffi, 1982, p. 108). O PCI que será um dos mentores juntamente com o Partido Comunista Francês (PCF) e do Partido Comunista Espanhol (PCE) do chamado “eurocomunismo”, opunha-se firmemente ao chamado “terrorismo vermelho” das Brigadas Vermelhas, vendo-os como obstáculos ao desenvolvimento da democracia e do próprio potencial revolucionário da luta da classe operária (Del Roio, 1986, p. 81).


(10) A teoria do valor de Marx consiste de que as mercadorias possuem valor porque são produto de trabalho, e o seu valor é determinado pelo tempo de trabalho despendido em sua produção.

O que foi o CONEB da UNE?

CARTA CONJUNTA
Juventude Comunista Avançando (JCA)
Juventude Liberdade e Revolução (LibRe)
União da Juventude Comunista (UJC)

O 13º Conselho Nacional de Entidades de Base (CONEB) da União Nacional dos Estudantes (UNE), realizado entre os dias 15 a 17 de janeiro de 2011, após o cancelamento do primeiro dia do evento, contou com um número de estudantes bem abaixo do número oficial anunciado pela diretoria da UNE. A principal pauta do encontro foi o Plano Nacional de Educação. A dispersão na organização, a crescente despolitização nos debates e o tempo extremamente restrito para tais, transformaram o CONEB mais em uma mera oficialização de algumas medidas do que um espaço de discussão política profunda do atual cenário da educação e das universidades brasileiras. O que se viu no evento foram debates qualitativamente débeis e pouco efetivos para os encaminhamentos das resoluções da entidade. É preocupante o tom dado a alguns dos debates, limitados a um elogio ufanista do governo federal, demonstrando completa subordinação das pautas da UNE à agenda política palaciana. Essa ausência de discussões e formulações também faz parte do processo de amoldamento da UNE e outras entidades da sociedade civil brasileira à ordem dominante. Isso se torna flagrante ao constatarmos o atual estágio de atrelamento político e financeiro da União Nacional dos Estudantes a governos. O CONEB, por exemplo, contou estruturalmente com o apoio do governo estadual do Rio de Janeiro, notavelmente conservador e com diversas ações de criminalização da pobreza e de vários movimentos sociais combativos.

A UNE hoje, infelizmente, optou por interditar os debates que visavam à crítica permanente ao sistema educacional e a formulação de propostas alternativas e autônomas do movimento universitário. Ao fazer isso, aliou-se com a modernização conservadora – que não representa uma democratização substantiva do complexo econômico, político e social da sociedade brasileira -, optou por uma política de conciliação e se tornou uma entidade dependente do governo federal e, ao mesmo tempo, corrente de transmissão de sua política. Neste mesmo sentido, as ações da entidade se deram de forma descolada de práticas cotidianas junto à base dos estudantes universitários brasileiros, fato que tem como conseqüência um imobilismo permanente, que vai desde a organização de seus fóruns de debate e deliberação até a efetivação (ou não efetivação) de suas resoluções.

Ao mesmo tempo, pensamos que essa constatação não deve levar a uma conclusão simplista de que o problema da UNE passa exclusivamente por uma “crise de direção”. Essa análise tem levado muitos setores combativos a adotarem medidas exclusivamente táticas descoladas do conjunto das contradições objetivas da sociedade brasileira. Assim, o problema do movimento estudantil se resumiria apenas a vontades, posturas e práticas de um determinado grupo dirigente, que deveria ser trocado por outro “honesto, combativo e de esquerda” – seja na disputa interna da entidade ou na criação de novas estruturas que, no fundo, refletem análises muito próximas. Na verdade, os problemas do movimento estudantil perpassam o seu todo - desde as entidades de base até as entidades gerais - o que, em nossa avaliação,possui suas raízes principalmente na ausência de desenvolvimento de um projeto educacional alternativo ao vigente, ou de iniciativas que apontem para esse projeto. Isso faz reduzir as políticas, práticas e debates no ME à esfera da pequena política como, por exemplo, a disputa de cargos, o clientelismo, a troca de favores, entre outros. Embora esses pareçam o problema em si, são apenas algumas das conseqüências de um dilema maior. Desse modo, embora reconheçamos o esforço feito por diversos setores que atuam dentro ou fora da UNE em reorganizar o ME, acreditamos que essas disputas permanecerão inócuas se não avançarem para a compreensão da importância do debate estratégico em nosso meio: a necessidade de romper completamente com o projeto educacional da ordem atual.

Universidade Popular: uma luta necessária

Acreditamos que a análise e a crítica às transformações ocorridas no sistema educacional devem fazer parte da ordem do dia do Movimento Estudantil. No que diz respeito ao ensino superior, não é de hoje que o ME tem buscado fomentar o debate acerca do caráter da Universidade, bem como de suas contradições, que se desdobram em potenciais transformações. Exemplo clássico dessa prática foi a reivindicação histórica da Reforma Universitária que, nos anos 1960, após intensos debates e reflexão teórica, culminou em grandes mobilizações nacionais. Tal processo de crítica e mobilização se deu em um contexto onde o ME pautava, de maneira autônoma, um projeto de universidade que superasse a lógica do mercado no sentido do desenvolvimento e da produção de conhecimento que fossem direcionados para a resolução de necessidades essenciais das classes trabalhadoras. Superar o analfabetismo, viabilizar a reforma agrária, socializar os meios de produção, impor uma democratização interna da universidade, eram apenas alguns dos objetivos indicados pelo movimento universitário à época. Um fato bastante relevante, é que essa elaboração da Reforma Universitária passou a ser inserida dentro do conjunto das “Reformas de Base”, ganhando um aspecto de luta popular, indo para além do próprio movimento estudantil e universitário na época. Muitos erros foram cometidos pela esquerda na época (1), no entanto, com isso não devemos incorrer no erro de relegar aquela experiência, que se demonstrou exitosa no sentido de comprovar a necessidade de elaborar um projeto estratégico junto aos processos de luta. A mediação entre a disputa interna da universidade, a elaboração de um programa para ela, e a ligação deste com o programa da revolução brasileira (corrigindo os erros do passado) é uma tarefa de longo prazo e é um desafio que está posto para as novas gerações, se a intenção for realmente a de reorganizar o movimento estudantil e colocar a universidade no fluxo das transformações necessárias.

Por isso, acreditamos que a educação não se descola do contexto social em que está inserida. Uma análise do sistema educacional não pode ser feita sem um diagnóstico da (des) ordem social vigente. Na sociedade capitalista a educação é, nesse sentido, um dos mecanismos de reprodução da lógica da exploração tanto no âmbito do planejamento e controle do sistema produtivo (através da reprodutibilidade técnica de mão de obra para o mercado de trabalho, bem como das pesquisas realizadas nas áreas de Ciência e Tecnologia), quanto no âmbito da hegemonia ideológica (onde impera uma pedagogia da exploração e da competitividade em que os indivíduos são condicionados a uma vida regrada pelo consumo). Esse quadro vem se agravando, especialmente com a deflagração da crise estrutural do sistema do capital nas últimas décadas, que apontam a incapacidade do sistema sociometabólico do capital de deslocar suas contradições do centro para a periferia. Isso faz com que as crises cíclicas (e a atual crise é emblemática nesse sentido), inseridas no contexto global de crise estrutural - e diferente das tradicionais crises cíclicas setoriais -, sejam mais prolongadas, com menor tempo de recuperação, com manifestações mais destrutivas e que atingem a totalidade do sistema.

Diante desse cenário nefasto, a Juventude Comunista Avançando (JCA), a União da Juventude Comunista (UJC) e a Juventude Liberdade e Revolução (LibRe), apresentaram no CONEB deste ano a proposta POR UMA UNIVERSIDADE POPULAR (acúmulo de debates que vêm sendo feitos desde o CONUNE de 2009), que foi plenamente defendida na plenária final, de forma a apresentar aos presentes no fórum o indicativo de um debate estratégico acerca da construção de Universidade Popular que esteja a serviço da classe trabalhadora, visando contribuir para transformações radicais na sociedade. Assim, pretendemos nos contrapor ao campo governista e fomentar a discussão sobre um projeto educacional que esteja pra além da lógica do Capital.

Entendemos que, diante do quadro que é apresentado pela sociedade em que vivemos, as transformações na universidade têm importante papel a cumprir na luta pela emancipação dos “de baixo”. É necessário lutar pela democracia interna nas instituições de ensino superior, criar novos conhecimentos transformadores do mundo e pintar a universidade com as cores dos movimentos sociais. É extremamente necessário lutar pela democratização do acesso, disputar o caráter da ciência direcionando para as demandas populares, construir um sistema de ensino emancipador que forme homens e mulheres críticos e com participação ativa na vida política da sociedade. Estes são alguns de nossos principais pilares. Ao mesmo tempo, entendemos que não será possível constituir plenamente a Universidade Popular (nos marcos de nossa luta) dentro do modelo de sociedade regido pelo Capital, onde prevalecem princípios do lucro, alienação, desigualdade; fundados em uma base social de produção onde prevalece a propriedade privada e a exploração do homem pelo homem, pois, os próprios pilares qualitativos e quantitativos do projeto de universidade popular se chocam com o desenvolvimento e demandas do capital. Quer dizer, trata-se de um projeto de universidade que ao mesmo tempo afirma a necessidade de um modo de produção e controle social socialista através da aglutinação de setores, grupos, organizações e pessoas que vêem que o problema da educação em nossa sociedade, perpassa a necessidade concreta de ir além dos marcos de organização da vida pautada pelo capital. Entendemos que nossa luta contribuirá para formar homens e mulheres comprometidos com o povo e que serão multiplicadores da transformação radical e revolucionária de nossa realidade social. O que defendemos aqui é que os movimentos ligados à educação (de secundaristas, universitários, professores do ensino básico e universitário, e trabalhadores das instituições educacionais) não devem ficar passivos diante do que se vê. Devem, em suma, corroborar dialeticamente com a aceleração das transformações necessárias e globais da sociedade em que estão inseridos.

Igualmente, devemos reconhecer que o campo que se opõe às correntes governistas,onde estamos inseridos, tem dado uma resposta ao avanço da modernização conservadora com pouca adesão de massas por conta de sua atual situação conjuntural: em função da popularidade das políticas federais, tem se limitado a posicionar-se reativamente ante a inevitável retirada de direitos que tal modernização traz consigo. Esse engessamento tem como principal problema a falta de um projeto alternativo que não seja subordinado à lógica do Capital. Sabe-se muito contra o quê lutar, ao mesmo tempo em que se sabe pouco em favor de quê lutar. Esse é mais um dos motivos pelos quais julgamos essencial construir e lutar por um projeto de Universidade Popular.

A construção de outro projeto de universidade ainda é insatisfatoriamente trabalhada pelo movimento universitário, que, no atual cenário de refluxo dos movimentos políticos e sociais, vem sendo absorvido por disputas pequenas e muitas vezes fratricidas, que na maioria das vezes não acumulam para um horizonte de transformação radical da realidade social. Para que possamos construir um projeto estratégico para a transformação da universidade, estamos convocando organizações, coletivos, partidos e indivíduos a se somarem na preparação e realização do I Seminário Nacional sobre Universidade Popular, no segundo semestre de 2011. Após a primeira reunião de organização, construímos junto a diversos coletivos e entidades o texto “Rumo ao 1° Seminário Nacional sobre Universidade Popular”, com os primeiros apontamentos consensuais e a indicação de uma nova reunião de organização para os dias 12 e 13 de Março de 2011, na cidade de Porto Alegre. Essa será uma grande oportunidade para potencializarmos e qualificarmos nossa atuação como força progressista na disputa por uma universidade para além dos marcos do capital: crítica, criadora de ciência e tecnologia para a superação das mazelas sociais e para a emancipação humana; e popular, em sua forma – sendo aberta a todos que hoje não tem acesso a uma educação superior pública e de qualidade – e em seu conteúdo – no sentido de se identificar com os anseios dos explorados e oprimidos de nossa terra, e solidária a todos os povos em luta por transformações sociais.



(1) Caberia analisar que a Reforma Universitária era reivindicada dentro de um contexto onde a esquerda brasileira tinha uma elaboração equivocada do caráter da Revolução Brasileira. A análise de que a democratização da sociedade brasileira e a superação da dependência e do subdesenvolvimento viria com o desenvolvimento de um capitalismo autônomo, inseriu a reforma universitária dentro de um contexto de cauda política de supostos “setores progressistas” da burguesia nacional. A história demonstrou que essa formulação estava equivocada: não só o capitalismo já havia se desenvolvido, como já havia entrado em um processo de transição de sua fase competitiva para sua fase monopolista entre as décadas de 50 e 60.

União da Ilha da Magia é campeã do Carnaval de Florianópolis

ALEXANDRE BRANDÃO
Jornalista - Blog do Tupã

Com o tema “Cuba sim! Em nome da verdade”, a União da Ilha da Magia foi a grande campeã do Carnaval 2011 de Florianópolis. Em uma proposta ousada, causando grande expectativa na sociedade, a escola conseguiu fazer um desfile impecável e conquistar boas notas em quase todos os quesitos.

A escola ganhou com 264,8 pontos. Em segundo lugar ficou a Embaixada Copa Lord, com 261,5 pontos, e, em terceiro a Protegidos da Princesa com 261,3 pontos.

A médica e revolucionária cubana Aleida Guevara foi destaque na passarela e participou da apuração na arquibancada ao lado da comunidade da Lagoa da Conceição.

A cada nota dez recebida a comunidade se levantava e comemorava a aproximação do título. Aleida também comemorou a vitória e saudou a coragem da escola e a homenagem feita a seu povo e sua revolução.O enredo da UIM foi cantado por todos, e palavras de ordem como “Cuba sim, yankees não. Viva Fidel e a revolução” também foram ecoadas.

O destaque na pontuação foi também para a Comissão de Frente, que na Passarela Nego Quirido montou um mosaico com o rosto de Che Guevara, e para a bateria UIM, com todos os seus integrantes vestidos de guerrilheiros revolucionários.

terça-feira, 8 de março de 2011

8 de Março - Dia internacional da Mulher

GORETTI GROSSI e LUIS CARLOS FRAGA
Professores

O dia da mulher ou dia da mulher trabalhadora
é um dia de solidariedade internacional
e um dia para relembrar sua força e sua organização”.
Alexandra Kollontai 


História

Em 1910, na II Conferência Internacional das Mulheres Socialistas a professora comunista Clara Zetkin apresentou a proposta de se fixar um dia específico para destacar as lutas e o protagonismo histórico das mulheres. No entanto, é só a partir de 1922 que o 8 março vai se constituir como data unitária mundial, referenciada na greve das operárias têxteis de Petrogrado em 1917, que tomaram as ruas exigindo pão e paz. Esta luta das operárias russas inaugura um ciclo revolucionário na Rússia czarista que culminará no maior acontecimento político do século XX, a revolução soviética. O 8 de março, Dia Internacional da Mulher, assinala, pois, a grandeza de nossa participação e a positividade de nossas lutas, reafirmadas por nossa coragem, ousadia e irreverência.

Presente

A primeira divisão do trabalho teve como base a divisão sexual do trabalho, onde o homem foi direcionado à caça e a mulher à reprodução e aos cuidados da casa. No capitalismo, a divisão do trabalho adquire uma nova dimensão: a exploração da classe trabalhadora pela classe dos capitalistas, a classe burguesa. Homens, mulheres e crianças, então absolutamente livres de capital, precisam entregar-se a ele para sobreviverem. Mas esta entrega não foi, e não é, uma entrega voluntária, ao contrário, realiza-se mediante a coerção e a violência organizadas pelo estado capitalista e suas instituições, ao que respondemos com nossa luta.

Desde o início dos anos 90 a correlação de forças na luta de classes tem sido tão favorável aos capitalistas quanto dramática para o conjunto da classe trabalhadora. Enquanto mulheres e mães testemunham isto diariamente, ao vermos como as exigências do capital dificultam nossa vida familiar e como desorganizam a vida escolar de nossos filhos, ao recrutá-los prematura e covardemente para o mercado de trabalho. Enquanto trabalhadoras e companheiras percebemos a regressão acelerada dos nossos direitos, sofremos com o desemprego e a constante degradação salarial. Por isto, adotar-se a reivindicação por direitos iguais entre homens e mulheres como foco central de nossa luta, como quer o feminismo liberal, não é outra coisa senão exigir que nos conformemos com a precarização da vida, que nos basta ser tão escravas quanto os nossos companheiros, enfim, que nos resignemos com a generalização da escravidão assalariada.

Estas duas últimas décadas foram muito dolorosas, mas também muito ricas em lições. Aprendemos que no capitalismo não há direito assegurado de antemão; que mesmo com a luta, muitas vezes os resultados são insatisfatórios; que o nosso trabalho diário, que parece correr para o ralo, é de fato o que sustenta a corrupção e engorda multinacionais e banqueiros. Estas lições demonstram que para compreendermos o mundo, condição essencial para transformá-lo, precisamos enxergar as contradições que estão além das diferenças de gênero. De fato, o antagonismo essencial do capitalismo está nas diferenças de classe, nas diferenças entre os trabalhadores, que produzem as riquezas, e os capitalistas, que se apropriam delas por deterem os meios de produção. As feministas socialistas sabem a quem interessa que mulheres e homens se consumam numa luta interminável entre si. Por isso, o movimento feminista socialista afirma que é integrando as lutas de mulheres e homens que seremos capazes destruir o poder do capital, abolir as classes e de vencer os desafios colocados pela vida.

Futuro

Vivemos a época da globalização imperialista, da integração monopolista, da supremacia de uma poderosa oligarquia financeira internacional, cujos tentáculos abarcam todo o planeta. A aplicação planetária das fórmulas neoliberais, que conhecemos bem, é o sinal mais evidente da existência de um governo dos governos, acima de povos e nações. Os princípios da soberania e da auto-determinação foram já redefinidos: tornaram-se soberania e auto-determinação do capital financeiro. Nesta nova ordem, os povos e países que a contestaram foram catalogados como pertencentes ao “Eixo do Mal”, e constam de uma lista de espera pela ira do senhor... a guerra imperialista.

A entrega da soberania pelos governos nacionais, uma vez que os torna ainda mais incapazes de responder às demandas de seus povos, implicará a utilização, com freqüência crescente, da repressão e da fraude contra as trabalhadoras e os trabalhadores, através da polícia e da mídia. No capitalismo é este o futuro que nos espera!

Companheiras! A luta das mulheres só pode ser uma luta revolucionária, uma luta contra os monopólios, contra o imperialismo e suas guerras. Reafirmamos também as bandeiras levantadas pelas mulheres na II Internacional Socialista: pelo direito à creche, a salários iguais, pelo direito de decisão sobre  o  nosso  corpo (aborto legal e seguro) e pelo fim  da violência doméstica e sexual. A nossa luta é a luta de todas as mulheres do mundo, a nossa luta é internacional. A emancipação plena da mulher só será alcançada na sociedade socialista.

Nossa solidariedade às mulheres trabalhadoras de todo o mundo!

quarta-feira, 2 de março de 2011

Todo o apoio à luta do povo Líbio contra a tirania e o imperialismo

NOTA POLÍTICA DO PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO

Os processos de revoltas populares em curso em diversos países do Oriente Médio têm pontos comuns e diferenças importantes entre si.

No caso da Líbia, é marcante o fato de que Moamar Khadafi, a partir da tomada do poder, em 1969, por meio de um golpe militar (que derrubou a monarquia então reinante, aliada aos governos dos principais países capitalistas), ter se aliado a países e movimentos que combatiam o imperialismo, nacionalizando o setor produtor de petróleo (a Líbia é hoje o terceiro maior produtor de petróleo da África e o detentor das maiores reservas provadas (cerca de 44 bilhões de barris). e utilizando boa parte dos respectivos recursos para modernizar e desenvolver a economia do país. As condições de vida do povo logo melhorariam, e em muito: a Líbia chegou a apresentar o maior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) de toda a África. A sociedade se modificou, com o aparecimento de camadas médias e de trabalhadores qualificados, com bom acesso à educação e outros direitos sociais.

As retaliações do imperialismo a todos estes avanços e à postura política independente e progressista da Líbia foram constantes e numerosas, como em 1986, no ataque aéreo dos EUA a Trípoli e Bengazi, lançado de bases da OTAN na Inglaterra, quando 60 pessoas, incluindo a filha de Khadafi, foram mortas. Fortes sanções foram também impostas nesse período pelos Estados Unidos e pelos principais países capitalistas ao país, com o claro intuito de destruir sua economia e inviabilizar o regime e suas políticas claramente progressistas.

Fatores como a queda da URSS enfraqueceriam, logo a seguir, a economia e a autonomia política da Líbia e, após a invasão do Iraque pelos EUA e seus aliados, em 2003, tentando, ao que tudo indica, evitar outra agressão à Líbia, Khadafi começou a fazer concessões políticas e econômicas ao imperialismo, abrindo a economia a bancos e empresas – com destaque para o setor petrolífero e as corporações italianas e inglesas – e passou a cumprir as exigências do FMI e do Banco Mundial para promover reformas econômicas, onde os principais elementos foram a privatização de empresas estatais, o corte de gastos sociais e dos subsídios para a compra de alimentos e combustível, deixando de lado e de vez as propostas de transformações da sociedade no rumo da construção socialista.

Khadafi se acomodou no poder, fazendo alianças com a burguesia líbia, em ascensão, abrindo mão da construção de uma democracia participativa direta e se estagnando numa espécie de governo familiar – com seus filhos e parentes – e desistiu de levar adiante projetos de afirmação nacional como o da construção de artefatos nucleares. Como “prêmio”, Khadafi passou a ser aceito como uma liderança junto a governos como o de Tony Blair, Sarkozy, Silvio Berlusconi e Bush.

O resultado destas políticas foi um quadro de inflação e desemprego que, aliado à crise do capitalismo internacional em curso e ao caráter autoritário do regime, gerou a revolta e mobilizou a população, que identifica em Khadafi a origem de seus problemas. O quadro, no entanto, abre margem para tentativas de manipulação política de fontes internas e externas ao país: ao descontentamento com a natureza fechada e dura do regime, somam-se os interesses da burguesia líbia em manter-se no poder, com outra forma de governo, e dos países imperialistas que, com a difusão de forte propaganda, induzem setores populares a empunhar a bandeira da monarquia deposta e a reabilitar o antigo rei Idris, fiel seguidor dos ditames dos EUA e da Inglaterra. A CIA, por sua vez, se faz presente no treinamento e financiamento do grupo Frente Nacional para a Salvação da Líbia e mantém agentes infiltrados nas movimentações populares. .

Setores da direita norteamericana tentam promover uma campanha para uma intervenção militar direta dos EUA na Líbia. É no mínimo suspeita a cobertura da mídia sobre as manifestações e também é mais suspeito ainda a movimento dos governos dos EUA e da União Européia em aprovar novas sanções contra a Líbia. Já se fala abertamente, também, em constituir-se uma zona de exclusão aérea na parte da Líbia onde a revolta é maior.

Ao mesmo tempo em que criticamos a violência que vem sendo exercida contra os manifestantes na Líbia e em todos os países árabes e africanos, registramos a hipocrisia dos países imperialistas, que têm uma política de dupla moral: apesar de falarem em defesa dos direitos humanos, são eles os principais responsáveis pelas violações desses direitos no mundo e também os principais apoiadores e financiadores de ditaduras sanguinárias, não só entre árabes e africanos, mas em todas as regiões do planeta.

O Partido Comunista Brasileiro, coerente com sua linha política e com sua ação internacionalista, espera que as manifestações populares na Líbia e nos demais países da região resultem em governos democráticos, progressistas e revolucionários, capazes de proporcionar novas condições de vida para a população e um novo rumo de desenvolvimento, justiça e igualdade social para seus países, fora do jugo mesquinho dos interesses imperialistas.


PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO
Comissão Política Nacional

2 de março de 2011